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23 de Abril de 2024

Novo código de processo civil

Entrevista com Luiz R. Wambier

Publicado por Luiz Manesco
há 9 anos

Como o senhor vê a chegada do Novo CPC?

Com bastante entusiasmo. A edição de um novo Código é um momento importante para a atividade jurisdicional do Estado, para todos os seus operadores e para a sociedade. Meu entusiasmo não é, todavia, pueril, pois conheço muitos dos problemas que ocorrem com a edição de um Código, que vão desde a necessidade de adaptação dos operadores até a necessidade de que superemos dificuldades oriundas do próprio texto que, como toda obra humana, não é perfeito. Mas, é o Código possível.

Como fica a questão do contraditório no novo diploma?

O legislador optou por redimensionar o contraditório, dando a essa garantia novos contornos, que tem a potencialidade de assegurar, por exemplo, a diminuição das hipóteses de “decisões-surpresa”. Essa nova moldura do contraditório está presente em vários dispositivos e merece elogios.

Os procedimentos especiais serão extintos? Pode nos explicar?

Os procedimentos especiais são escolhidos, pelo legislador, em função da necessidade de conferir tratamento procedimental diferenciado a certos temas, presentes no plano do direito material. Assim, por razões sociais, o legislador elegeu as possessórias, desordinarizando o procedimento. Por razões de ordem microeconômica, escolheu a consignação em pagamento. A ação de exigir contas certamente tem razões históricas para figurar entre os procedimentos especiais, e assim sucessivamente. O legislador optou por manter alguns dos procedimentos especiais presentes no CPC/73, eliminar outros e prever novas hipóteses. O resultado final é bom.

O que significa o incidente de resolução de demandas repetitivas?

As ações de massa, isto é, aquelas em que o direito em discussão é o mesmo, alterando-se apenas as partes, como, por exemplo, as que tratam dos planos de estabilização da economia, surgem aos milhares e geram profundo impacto em todas as esferas do Poder Judiciário, que passa a trabalhar com expressivos estoques de ações que tratam do mesmo tema. O incidente fará com que prematuramente, isto é, antes do acontecimento dessa verdadeira avalanche de processos sobre o mesmo tema, o Poder Judiciário decida a tese a ser aplicável a todos os casos. Isso gerará economia de tempo e de recursos para as partes, evitará a criação de estoques absurdos de processos que tratam do mesmo e permitirá que a garantia da razoável duração do processo seja atendida.

Pode nos explicar a regra do julgamento por ordem cronológica?

Essa regra é tão simples quanto controvertida, a ponto de ter havido pedido de veto, encaminhado à Presidência da República pelas entidades associativas da Magistratura. Não houve veto, todavia. A grande queixa era a de que o juiz deixaria de ter poderes de gestão de seu gabinete. Não concordo com esse argumento. Na verdade, o juiz passa a gerir seu estoque de processos levando em consideração, para decidir, a ordem cronológica de conclusão. Penso que a tarefa do juiz será facilitada, na medida em que a gestão será facilitada, porque parte dela decorrerá de determinação legal. Trata-se, apenas, de alterar o modo de gestão. Também não concordo com a afirmativa no sentido de que o juiz não poderá julgar casos mais simples antes etc. Basta que se leia o conjunto de exceções previsto no parágrafo segundo do art. 12, para que se perceba o quanto são equivocadas são afirmações. Por outro lado, há uma vantagem que não vem sendo destacada pelos críticos do dispositivo. É que, preso a uma certa ordem cronológica, o juiz ficará, paradoxalmente, livre de quaisquer tipos de pressões para que julgue antes este ou aquele caso.

Como que será o procedimento da regra que permite o juiz converter ações individuais em coletivas?

Ações individuais que tratem de temas socialmente relevantes, em que a formação do litisconsórcio seja difícil, e desde que tratem de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, poderão ser transformadas em ações coletivas. A partir daí, as regras de regência serão as que disciplinam o processo coletivo, com destaque para a lei da ação civil pública.

O que mudará na metodologia de fundamentação das decisões judiciais?

Essa alteração, também polêmica, certamente por falta de compreensão de seu real alcance, é extraordinariamente vantajosa para todos, inclusive para os magistrados que, se, por um lado, terão mais trabalho para decidir, porque deverão fazer as “ligações”, por exemplo, entre os conceitos indeterminados de que se sirvam para decidir, com o caso concreto (inciso III do art. 489), colherão, não tenho dúvidas, os frutos desse maior apuro técnico, justamente no plano que a todos os magistrados preocupa, que é o excesso de recursos. Quanto mais fundamentada a decisão judicial, mais difícil será o ato de recorrer. Alguns juízes demonstram preocupação com o inciso IV, afirmando que terão que responder a questionários da parte. Não é isso o que está previsto. A regra determina que o juiz enfrente todos os argumentos capazes de infirmar a conclusão a que chegou. Na verdade, não há nada de novo nisso nem nos demais incisos desse parágrafo, na medida em que tudo está integrado à garantia prevista no art. 93 da Constituição Federal.

Como funcionará a desconsideração do vício formal presente em recursos?

Há um conjunto de regras, no plano dos recursos, que prevê a possibilidade de correção de defeitos, de sanação de vícios e, enfim, de aproveitamento dos atos processuais. Os vícios processuais passam a ser menos importantes do que o direito em disputa no processo. O NCPC é cuidadoso, pois o legislador não “liberou geral”, mas apenas criou regras que permitem à parte corrigir defeitos que implicariam no não conhecimento do recurso. Exemplo desse conjunto de regras é o presente no parágrafo único do art. 932.

O que muda em relação aos prazos?

O tratamento normativo dado aos prazos é muito interessante, pois, há certa uniformidade, por exemplo, no plano dos recursos. Apenas os embargos de declaração terão prazo diferenciado. Agravo e apelação passam a ter o mesmo prazo, até mesmo em respeito à isonomia, já que há decisões interlocutórias com tanta ou igual força do que a sentença. Outra regra interessante é a da contagem dos prazos apenas nos dias úteis. Vejo apenas vantagens nessa regra, na medida em que a parte terá, num prazo de 5 dias, por exemplo, cuja contagem tenha início numa quinta-feira, maior número de dias úteis para cumprir o ato. Isso tem o potencial para que as peças processuais tenham mais qualidade. Outra alteração que vem em boa hora é que considera tempestivo o ato processual praticado antes do início do prazo. Recentemente o STF mudou o seu antigo entendimento e passou a adotar essa forma de compreensão do tema que prestigia a razoável duração do processo.

Como o novo código recebe o processo eletrônico?

O Código, se bem lido, permite perceber que há um conjunto de regras que fazem a “travessia” entre o modo físico e o modelo virtual. Há muitas regras que tratam da óbvia necessidade de que se adote, em pouco tempo, o meio eletrônico. Mas há, ainda no plano da tecnologia, outras importantes mudanças, como por exemplo as que permitem ao juiz ouvir testemunhas por vídeo-conferência, dentre outras.

Muitos juristas afirmam que será um código autoritário, o senhor concorda?

Confesso a você que tenho até dificuldade para entender o que querem dizer com isso. Se for no sentido de que o juiz brasileiro deva ter menos poderes, eu não concordo. A atividade do juiz brasileiro faz parte do conjunto de regras que nos permitem viver democraticamente, sob o Estado-de-Direito. Quanto mais poderes tiver o juiz, maior disciplina social haverá, estou disso convencido. Outra vertente dessas críticas, que demonstra má-fé ou falta de informação, diz que o NCPC é autoritário porque não teria discutido com a sociedade. Eu não participei de nenhuma das Comissões, em qualquer das Casas legislativas, mas presenciei o quanto os diversos setores interessados tiveram oportunidade para manifestação: audiências públicas, reuniões, debates em Universidades, nas corporações dos operadores, tais como advogados, magistrados, promotores etc. Talvez o NCPC não seja o Código dos sonhos deste ou daquele destacado jurista. Mas é, sem dúvida, o Código possível de ser construído na fantástica dinâmica da democracia.

Fonte:http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/novo-cpc/15182

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